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Dois altos!

  • Angela Baptista
  • 29 de mai. de 2018
  • 3 min de leitura

“Não há som sem pausa. O tímpano auditivo entraria em espasmo. O som é presença e ausência, e está, por menos que isso apareça, permeado de silêncio”

José Miguel Wisnik

Essa alternância, tão bem colocada por Wisnik que está na própria origem do som, traz para os exacerbados tempos atuais, uma importante advertência, imbricada também na própria origem do humano.

Desde os primeiros instantes da vida, aquela que exerce a função materna, carrega o seu bebê e a ele dirige palavras, numa proto-conversação permeada de olhares, gestos, sinais e sons.

É justo nas escansões e pausas da sua fala, nas alternâncias produzidas entre som e silêncio, acompanhadas do olhar atento e amoroso, que a mamãe convida e encoraja o seu rebento a produzir os primeiros sons.

Aí se inicia uma conversa, onde um fala e dá vez ao outro, a revelar nos turnos pausados, a espera desejante que olha e fisga o bebê, também pelos elementos de entonação e ritmo que compõem a prosódia da voz materna e que serão os responsáveis pela formação do arcabouço necessário para o advento da palavra.

Desde os primeiros momentos da vida portanto, a pausa é o que delimita e permite o advento da função organizadora da fala, pela alternância

presença/ausência. É o vazio pausado dos intervalos criados pelo outro que possibilita a cada um dizer de si mesmo com suas próprias palavras: função singular e estruturante para o advir do sujeito humano, dito ser falante.

Como não conservar essa função fundamental, nos passos seguintes da vida do sujeito humano? A sábia criança a conserva por exemplo, nas brincadeiras com seus pares, quando enuncia: dois altos! Hora da pausa na brincadeira, hora de reorganizar o ato de brincar e começar tudo outra vez. Pausa para reflexão que cede lugar a fala de um e de outro, para dizer dos incômodos, dos desconfortos e engendrar novos modos ao brincar.

No mundo contemporâneo parece que estamos brincando do contrário e a nossa existência depende da infinidade de tarefas que nos impomos sem descanso, sem pausas ou intervalos. Exigimos de nós e do outro, prontas respostas a preencher o vazio imediatamente. O preenchemos com tarefas, objetos, falas , sem escansões.

Mas, pensemos, se é justo esse vazio produzido pelas pausas, pelo intervalo que nos permite um fazer que diz de nós mesmos, perguntemo-nos: de quem estamos dizendo, quando o preenchemos imediatamente e a todo instante? Sem a pausa que convida a reflexão, a retomada de posição e de modos de fazer, o que nos tornamos? O que faz laço entre nós? O que transmitimos às nossas crianças?

Testemunhamos diariamente nos nossos consultórios, os sofrimentos que essa modalidade de vida cotidiana acarreta nas funções mais básicas e corriqueiras dos pequenos sujeitos: crianças que não comem ( mas afinal, quem vai parar para alimentá-las, num jogo lúdico de presença/ausência que as fariam desejar o alimento?). Crianças que não controlam os esfíncteres, mesmo em idade avançada entre os seis e oito anos (mas afinal como fazê-las pausar suas atividades prazerosas, para as quais dispõem de tão pouco tempo nas suas agendas lotadas de obrigações? Ou mesmo, como fazê-las pausar seu corre-corre de tarefas a cumprir?).

E os sintomas se sobrepõem: dificuldade de concentração, de aprendizagem, dispersão, atraso na aquisição da linguagem, gagueira. Querem tudo e mais alguma coisa ao mesmo tempo: presença, presença e mais presença. Afazeres que mais dizem respeito a seres desumanizados, robotizados, autômatos. Pinóquios ao contrário, meninos de verdade transformados em bonecos de madeira, de pedra, de teclas...

Dois altos! Vamos começar tudo outra vez?

* Este artigo foi publicado na revista M Mag.

 
 
 

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